sexta-feira, 19 de março de 2010

E se não for amor?


Tanto melhor: vocês podem ser felizes!

O que eu queria dividir com vocês é outra percepção, mais incomum. A de que o amor nem sempre é bom. Ou, posto de outra forma, que ele, frequentemente, perde para sentimentos supostamente menores que se revelam, ao longo do tempo, mais agradáveis e mais transformadores.

Parece um pouco abstrato? Não é. Se você já teve várias relações amorosas, terá percebido que elas variam de tamanho emocional. Há desde aquelas grandiosas, extra large, que parecem ser maiores do que a vida e causam a maior confusão, até aquelas relações menores, pequenas mesmo, que de tão discretas parecem não mexer com o conteúdo da existência.

O primeiro tipo a gente chama de amor. O outro a gente trata com menos cerimônia: é romance, namoro, caso. Coisa menor, enfim. Mas será que essas denominações refletem, verdadeiramente, a qualidade e a importância dessas experiências na nossa vida? Eu, francamente, já não sei.

Quando se é muito jovem ou quando se é abusivamente romântico, tende-se a colocar as grandes experiências amorosas no topo da nossa hierarquia afetiva. Aquela mulher, imagine, virou a minha vida de cabeça para baixo... Aquela outra, nossa, passei três anos tomado por ela... Essas experiências, mal comparando, são como o terremoto recente no Chile: eventos assustadores, únicos, inesquecíveis por suas terríveis consequências. O amor frequentemente é assim.

Em oposição a isso, há o outro tipo de relação. Sem grandes propriedades sísmicas, ela não chega abalando as estruturas, não põe a nossa vida do avesso e nem tem, aparentemente, os efeitos transformadores dos terremotos afetivos. Quando a gente as está vivendo, parecem coisas tranqüilas, divertidas, intensas no mundo dos sentidos e tão só. Ninguém confundiria essa paz e esse prazer com amor. Se você levanta, vai trabalhar e tem um dia tranqüilo não pode estar amando, certo? Pois é...

Acontece comigo, porém, que à medida que o tempo passa algumas dessas relações menores começam a brilhar na memória como grãos de ouro em meio à poeira. Eu olho para trás e as percebo nitidamente, com saudade. Às vezes é por causa do sexo leve, destituído das tensões que povoam os relacionamentos épicos. Outras vezes me lembro do convívio, igualmente despretensioso, que incluía passeios, ócio e nenhuma das conversas pesadas que parecem ser o oxigênio dos amantes intensos.

Quando eu olho para esses períodos e pessoas breves, enxergo sorrisos, olhos brilhantes, corpos contentes. Há nessas memórias uma espécie de felicidade corriqueira que parece ausente das memórias do grande amor. E há também uma deliciosa gratuidade – eu não estava preocupado em ser amado ou em ser abandonado. Eu simplesmente estava ali e era bom. Embora eu nem notasse quanto.

Hoje me parece que essas experiências, apesar da sua aparência modesta, têm grande importância na formação das pessoas. Elas ensinam calma e prazer. Elas nos inoculam com o vírus da segurança e do contentamento. Elas revestem a vivência afetiva de uma camada de normalidade que o grande amor, frequentemente, não tem.

O grande amor – sejamos francos – nos oprime, nos aflige, nos inquieta. Essas outras coisas, quaisquer que sejam seus nomes, nos libertam. Ao permitir que sejamos nós mesmos, sem medo e sem aflição, elas nos ensinam a ser felizes, em doses homeopáticas.
Da próxima vez que a sua parceira ou seu parceiro perguntar “você me ama” tente ser franco e responder “ainda não”, e acrescente: “e isso é muito bom. Significa que eu estou livre pra ser feliz e pra fazer você feliz”. Pode ser o começo de uma conversa muito boa.

texto de Ivan Martins (editor-executivo de ÉPOCA)

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